Cultura

Dia da Favela: potências de Salvador levam moda periférica para o mundo

Mais da metade dos 170 bairros de Salvador são periféricos e abrigam diferentes talentos que atuam com moda

Por Da Redação

Dia da Favela: potências de Salvador levam moda periférica para o mundo@alainzamrinifotografia/@gbxrv
Você já ouviu falar no Dia da Favela? A data, celebrada nesta segunda-feira (4/11), destaca a luta e as conquistas das comunidades de todo o país, além de combater os estigmas associados a elas, incluindo o uso pejorativo da denominação 'favela' - para definir o local - e 'favelado', em referência aos moradores. A palavra 'favela' foi usada pela primeira vez no ano de 1900, pelo delegado Eneas Galvão, que se referiu desta forma ao Morro da Providência, no Rio de Janeiro, por meio de um documento oficial.
A expressão passou a ser utilizada também como uma forma de separar estas regiões/bairros de outros locais da cidade. Com o passar do tempo, termos como 'comunidade' e 'periferia' foram utilizados para diminuir estes estigmas. Em Salvador, apesar dos altos índices de violência e insegurança que cercam os bairros periféricos da cidade, os moradores destas regiões fogem dos estereótipos por meio de uma série de estratégias, incluindo a arte e a moda.

Mais da metade dos 170 bairros de Salvador são periféricos e abrigam diferentes talentos que atuam com moda. Um dos destaques é a modelo Dandara Raimunda, de 17 anos, que mora no bairro de Paripe, no Subúrbio Ferroviário. "É muito importante estar nesse meio porque, morando em periferia - onde geralmente subestimam os moradores -, eu mostro para quem vive lá que também podemos realizar nossos sonhos e que somos fortes", afirma.



Foto: Reprodução | Instagram @carolfyp


Dandara, que iniciou a carreira de modelo há pouco mais de um ano, carrega feitos marcantes: em junho, conquistou o segundo lugar no concurso Beleza Black Bahia e, agora em novembro, desfilou pela primeira vez na passarela do Afro Fashion Day.


Contrariando a realidade do bairro onde mora, que foi considerado um dos mais violentos da capital baiana no primeiro semestre de 2024 - segundo dados do Instituto Fogo Cruzado (IFC) -, a modelo ressalta a importância da visibilidade que traz para quem mora na comunidade.


"Desfilei na passarela do 'Afro', mostrando pra todo mundo que podemos sim. Espero realizar mais sonhos, e mostrar para o pessoal que não consegue acreditar neles mesmos, porque não nos permitiram acreditar que podemos", completa Dandara.


TENDÊNCIAS


Camisas de time, sandália Kenner e roupas 'street wear' (estilo urbano) foram algumas das tendências de moda que viralizaram entre os principais criadores de conteúdo de moda, como a carioca Malu Borges, que adotou a camisa do Vasco para eventos.


[caption id="attachment_396670" align="alignnone" width="710"] Foto: reprodução | TikTok- @maluborges[/caption]

Apesar desses elementos estarem em 'alta' agora, grande parte dessas peças de roupa já faziam parte do estilo e identidade de grande parte dos moradores dos bairros populares de Salvador. "Piriguete é um estilo periférico: o short jeans, a kenner ou a havaiana, a argola e o top são a forma como andamos diariamente pelas ruas das periferias de Salvador", explica a cientista social Tisy Reis, que é empreendedora da marca Piriguete Chique.


Tisy, que mora no bairro de Mata Escura, criou a marca não só para ter uma renda extra, mas também para ressignificar o termo 'piriguete'. "Escolhi 'Piriguete Chique' pois fazia muito sentido: piriguete é um termo criado na periferia de Salvador e, mesmo usado de forma pejorativa, eu pensei que fosse minha chance de ressignificar o nome que, tantas vezes, já tive como adjetivo. Escolhi e comecei pelas argolas, até chegar na costura de biquínis e o upcycling (técnica para reutilizar materiais que seriam descartados)", disse.





A cientista social também explica que a moda é uma ferramenta para se expressar dentro da sociedade. "Eu acredito que o estilo já diz muito quem você é, então a moda me ajuda a expressar quem eu sou. A moda precisa estar a serviço da minha personalidade e não o contrário, eu não preciso usar tudo que entra na moda, eu uso a moda para dizer quem eu sou e eu sou piriguete; e a Piri é a materialização da minha personalidade adolescente", afirma.
Nas peças, a dona da Piriguete Chique busca valorizar os elementos culturais da capital baiana, como as cores do Olodum e as argolas inspiradas na religião de matiz africana.
[caption id="attachment_397232" align="alignnone" width="821"] Nathalia Luz (@pretaluz) vestindo Meninos Rei, argolas- @piriguetechique/ Stephanie Silva (@sthe_oficial0), argolas- @piriguetechique[/caption]
"Eu fui cristã protestante por muito tempo e, durante a adolescência, meu sonho era ser piriguete, usar roupa curta, argolas e brincos grandes. Com o tempo, eu fui me afastando dessa religião e me peguei apaixonada por tudo que envolvia a cidade. Todo esse amor reverbera nas peças que eu crio, a transparência nas peças que deixa o corpo mais nu, o biquíni fio dental, as peças bem chamativas que fazem referência aos orixás", conta.

A empreendedora é dona de uma das muitas marcas que nasceram nas periferias de Salvador. Em destaque, vale citar a Dendezeiro, que surgiu na Cidade Baixa e conquistou as passarelas do São Paulo Fashion Week (SPFW), além de parcerias com a C&A e Converse.





Já a Salctiy, criada em 2021, é uma marca de roupa originada no bairro de Pernambués, focada em levar o estilo de rua conectado com a perspectiva do soteropolitano. No lançamento mais recente, a Salcity lançou a coleção 'Pernambucity', focada em trazer as vivências dos moradores da região, para além da violência. Em agosto de 2024, Pernambués esteve entre os cincos bairros mais violentos da cidade, registrando 4 tiroteios, 2 mortos e 1 ferido, segundo os dados do Instituto Fogo Cruzado.
"Dentro de todo o panorama de limitação e falta de perspectiva que uma grande parcela da periferia vive, se faz jovens resilientes, fortes, criativos, e determinados que acreditam que a arte pode mudar tudo", ressalta a marca.



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