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'Burnout materno', ansiedade e depressão: psiquiatra fala sobre transtornos mentais que acometem mães

A psiquiatra e psicoterapeuta Patrícia Piper, especializada em saúde mental na maternidade, explica que encontrar mães com algum tipo de adoecimento é mais comum do que se imagina

Por Bruna Castelo Branco

'Burnout materno', ansiedade e depressão: psiquiatra fala sobre transtornos mentais que acometem mãesIlustrativa/Pexels

Para muita gente, uma mãe que se queixa de cansaço ou expressa que está infeliz, é uma mãe que não gosta do filho. Porém, como pontua a psiquiatra e psicoterapeuta Patrícia Piper, especializada em saúde mental na maternidade, não se trata de falta de afeto: a depressão e exaustão na maternidade são assuntos sérios e devem ser encarados como questões de saúde pública.


"A depressão pós-parto também tem alta prevalência, chegando a 38%. As características são: humor deprimido, sensação recorrente de incapacidade, culpa inapropriada, falta de prazer, alterações de sono e pensamentos ou ideações de morte", detalha ela.



Neste Setembro Amarelo, mês em que se promove uma campanha intensa de prevenção ao suicídio no Brasil, a psiquiatra ressalta que a saúde mental da mulher, especialmente a da mãe, é constantemente negligenciada: seja por amigos, pela família, e até por ela própria. Em entrevista ao Aratu On, a profissional explica que encontrar mães com algum tipo de adoecimento é mais comum do que se imagina porém, muitas vezes, o cansaço materno é até romantizado. A Organização Mundial da Saúde (OMS), aliás, estima que toda mulher no período perinatal, com até um ano de pós-parto, está sob risco de adoecimento mental.


"A gente precisa parar de naturalizar a insônia materna e o cansaço, e de achar que a mãe cansada, a mãe que não dorme, é normal, o esperado. A mãe puérpera pode passar momentos de cansaço, mas ela precisa sentir que está sendo cuidada, que é importante na família", aponta.


Além da depressão pós-parto e do "baby bues" (expressão em inglês que fala de uma certa tristeza que pode toma conta da mulher, após o nascimento do bebê), transtornos já conhecidos em todo o mundo, a profissional também fala em "burnout materno", condição causada pelo acúmulo de tarefas e pressão psicológica aos quais muitas mulheres são submetidas já nos primeiros dias após o nascimento do bebê. "Apesar de, oficialmente, não ser considerado um transtorno mental, é bastante prevalente, junto com a ansiedade e com a depressão pós-parto", comenta ela.


Patrícia Piper também fala sobre a causa desses acometimentos, como evitá-los, a importância de identificar e tratar casos de risco de suicídio e o que familiares e amigos devem fazer quando percebem que uma pessoa próxima precisa de acolhimento.


Caso precise, ou conheça alguém que precisa de ajuda neste momento, dique 188 e entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV). A ligação é gratuita e o serviço funciona 24h.


Quais acometimentos de saúde mental são comuns em mães?


A ansiedade é o transtorno mais prevalente entre mães, porém, bastante negligenciado. Se caracteriza por preocupações exacerbadas, sensação de angústia, incapacidade de relaxar, alterações no sono, entre outros. A depressão pós-parto também tem alta prevalência, chegando a 38%. As características são: humor deprimido, sensação recorrente de incapacidade, culpa inapropriada, falta de prazer, alterações de sono e pensamentos ou ideações de morte. Existe uma condição de saúde mental, que é o burnout materno, que é uma síndrome de esgotamento, de cansaço, análogo ao burnout laboral. Apesar de, oficialmente, não ser considerado um transtorno mental, é bastante prevalente, junto com a ansiedade e com a depressão pós-parto. O burnout é caracterizado por uma condição mista de sintomas de cansaço, fadiga, incapacidade de descansar, dificuldade de dormir, com essa sobrecarga materna, esse acúmulo de tarefas, de funções. E isso está muito relacionado à falta de ajuda, de uma rede de apoio.


Mulheres e mães estão mais propensas a ter problemas de saúde mental?


Sim! A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que toda mulher no período perinatal, com até um ano de pós-parto, está em risco de adoecimento mental. É um período de grande vulnerabilidade. Além de uma questão biológica, com o corpo da mulher, tem uma questão social. Vários fatores estão relacionados a esse adoecimento da mulher, da mãe, que diz respeito a esse papel de gênero.


O que causa a depressão pós-parto?


A depressão pós-parto é um transtorno mental multicausal. Não existe uma só causa. Os estudos mais recentes mostram que a mudança dos hormônios no pós-parto vêm acompanhas da queda de neuroesteroides ativos, que fazem uma modulação nos receptores gaba (principal neurotransmissor inibidor no sistema nervoso central, que tem a função de induzir relaxamento, concentração e sono, por exemplo). Essa modulação fica alterada em mulheres com a depressão. Essa é uma explicação biológica para a depressão pós-parto. Mas também está relacionado à genética, aos hormônios inflamatórios e de estresse, como o cortisol, e fatores ambientais. A gente sabe que mulheres que já tiveram depressão, ou que tenham histórico de depressão ou depressão pós-parto na família, estão em maior risco. Gestações não desejadas, gestações na adolescência, conflito conjugal, vulnerabilidades sociais e grupos minorizados também são fatores de risco para a depressão pós-parto.


O que fazer nesses casos?


O primeiro ponto da depressão pós-parto é identificar. A gente precisa parar de naturalizar a insônia materna e o cansaço, e de achar que a mãe cansada, a mãe que não dorme, é normal, o esperado. A mãe puérpera pode passar momentos de cansaço, mas ela precisa sentir que está sendo cuidada, que é importante na família, e que esse papel materno pode dar satisfação para ela. Quatorze dias ou mais de humor deprimido, sentimento de incapacidade, ideação suicida, falta de prazer, podem ser sinônimos de uma depressão pós-parto. Aí, é preciso procurar ajuda especializada. Psicologia e psiquiatria perinatal são áreas de excelência para cuidar de mulheres puérperas. Nesses espaços, a gente vai poder fazer o diagnóstico e indicar o tratamento correto. O tratamento é sempre acompanhado de psicoterapia e, em alguns casos, de psicofarmacologia. As medicações, quando indicadas, são seguras para o bebê, na amamentação. A mulher não precisa parar de amamentar.


Quais os sinais de que uma pessoa pode cometer um suicídio que pessoas próximas podem notar?


O isolamento social, a tristeza recorrente, falta de prazer na vida, e verbalizações de que a pessoa não está se sentindo confortável e tem pensado em suicídio. Esses são alguns dos marcadores. Nem todas as pessoas que pensam em suicídio falam sobre isso, porque é um assunto tabu, velado. As pessoas têm muito medo do julgamento. As pessoas que estão próximas de alguém que está em risco de suicídio precisam ter uma postura acolhedora, de cuidado, que não julgue, que não estigmatize mais o sofrimento dessa pessoa que está pensando em suicídio. E que essas pessoas reconheçam que esse tratamento especializado é a melhor saída, então, entram os psicólogos, os terapeutas, os psiquiatras, para que esse quadro seja manejado e a gente possa prevenir uma morte. O suicídio é uma morte que se pode prevenir.


Como agir nessa situação?


É muito importante a gente falar sobre isso abertamente. Um grande medo das pessoas leigas, em geral, é perguntar diretamente: 'Você quer morrer? Você pensa em suicídio?'. E o medo é legítimo, porque se a pessoa fala 'sim, eu tenho pensado', eu faço o quê com isso? Aí, você vai pegar essa pessoa pela mão e levar ela para um atendimento especializado. Também é importante evitar ao máximo frases do tipo: 'Isso é falta de Deus, falta de força, se você se esforçar, você vai sair disso'. Essas são frases que têm uma intenção de ajudar, mas que, na prática, acabam piorando. Acabam cobrando da pessoa um controle sobre o desejo dela que ela não tem. Ninguém escolhe querer acabar com a própria vida.


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