Resgatando Vidas: casal vítima de trabalho escravo relembra absusos: "Ele dizia que pobre não come carne"
Em 2022, na Bahia, 66 trabalhadores, rurais e urbanos, foram libertados no total
Um dia, um casal viu um anúncio de emprego na internet e decidiu se candidatar para a vaga. A proposta, de acordo com uma das vítimas, era trabalhar como caseiro em uma fazenda em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, com salário certinho, cesta básica como benefício e carteira assinada.
"A gente estava necessitando. Ligamos, ele [o patrão] ofereceu moradia, salário mínimo e cesta básica", disse a mulher à reportagem do Cidade Aratu, programa do Grupo Aratu.
Chegando lá, eles descobriram que não era nada disso: tudo o que precisavam consumir para sobreviver, deveriam comprar na mão do patrão. Resultado? Dívidas, que eles precisariam quitar para poder ir embora.
"A alimentação era café vencido que ele vendia para a gente, bacon depois de um ano passado da validade, carne de hambúrguer, estrogonofe de dois anos, dois anos e meio. E aí, a gente comprava, porque a gente não podia sair da fazenda. E descontava no trabalho", relatou ela.
Segundo o homem, que foi explorado junto com a esposa, ele chegou a tentar juntar dinheiro para conseguir ir ao mercado fora da fazenda. Para isso, se alimentava apenas de iogurte vencido. "Mas não tinha condições, e ele dizia que pobre não come carne. Que a carne deveria chegar a R$ 100 para pobre só comer carne de hambúrguer ou terra. Isso era desumano. O cara falar para viver de carne de hambúrguer? Nem ovo a gente podia pegar na fazenda".
Um mês depois, em agosto deste ano, o casal foi expulso da fazenda sem receber nada. Fora daquele ambiente de exploração, eles conseguiram denunciar, e nove trabalhadores foram resgatados do local. O Procurador do Trabalho, Italvar Medina, falou sobre a prisão do criminoso:
"Foi efetuado o resgate na hora, o empregador foi preso em flagrante e, em seguida, foram iniciadas as negociações para pelo menos o pagamento das verbas rescisórias. Então, todos esses trabalhadores já receberam as suas rescisões trabalhistas".
Além disso, todas as vítimas receberam três vias de seguro desemprego e foram encaminhadas para a assistência social. "Em seguida, vai ser ajuizada a ação para que haja o ressarcimento desses trabalhadores por danos morais individuais e o pagamento do dano moral coletivo".
VÍTIMAS NA BAHIA
De 1995 até 2020, duas trabalhadoras domésticas foram resgatadas de trabalho análogo à escravidão. Apenas em 2021, esse número saltou para 10 vítimas. Em 2022, na Bahia, 66 trabalhadores, rurais e urbanos, foram libertados no total.
Liane Durão, chefe do setor de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho, acredita que esse crescimento se deva ao aumento de divulgação dos casos, o que encoraja as pessoas a denunciarem:
"A gente notou um aumento muito grande após a divulgação de um caso que aconteceu em Minas Gerais. A gente acredita que essa divulgação está sensibilizando as pessoas, está contribuindo para a desnaturalização dessa conduta, e está estimulando que as pessoas denunciem. A gente sabe que são muitos casos por aí, e a gente não chegou ainda nem na pontinha desse iceberg".
O homem, vítima do fazendeiro de Simões Filho, disse que a situação que viveu o remeteu ao tempo em que a escravização de pessoas era legalizada no Brasil. "Viver em uma fazenda, preso, sem poder fazer nada, fazer o que eles mandam. Xingava, gritava, chamava a gente de bicho o tempo todo".
DENUNCIE
Apenas em 2021, 1.937 pessoas foram resgatadas de situações em que eram vítimas de trabalho análogo à escravidão. Denúncias podem ser realizadas no site do Sistema Ipê, e podem ser feitas em sigilo.
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